domingo, 17 de agosto de 2014

Substancial

Já acostumei-me a essa previsível solidão repetitiva, movida por responsabilidades maiores que minha própria massa. Fui avisado de que não seria fácil, porém aceitei sem pensar duas vezes. A oportunidade de prover vida é indescritível, mas tentarei resumir algo próximo ao que sinto. Na verdade, mal sabia que poderia de fato sentir algo além da enorme satisfação. Nunca fui apresentado formalmente a alguém, apesar de todos saberem meu nome. Já vi tanta coisa, fui cenário de nascimentos, conquistas, decepções, mortes. Tentei deixar as situações desagradáveis mais quentes, ou melhor, menos frias. Sem cobrar nada em troca. Até porque, quem iria se atrever a chegar perto de mim para pagar?
Sou útil mantendo distância. Nunca experimentei aproximações de nenhum tipo, aliás, como é a sensação? Conte-me, mas daí mesmo, não precisa chegar perto. Acredite, é para seu próprio bem.
Poucos foram os que tentaram chegar perto de mim. Os que se encontram mais próximos são tão perigosos quanto eu. 
Eu destruo, crio, forneço. Eu observo de longe. A observo.
A observo há tanto tempo. Ela provavelmente nem sabe que me importo tanto. De certa forma a invejo. Ah, mais um sentimento. Eu na verdade queria fazer parte daquilo. 
O ano terrestre era 1969. Para mim não faz diferença. Estarei sempre aqui, desenvolvendo o que me foi designado. Brilhei mais naquele dia. Fiquei fascinado, porém me contive. Emoções fortes podem causar desastres, no meu caso. No de vocês também, foi o que ouvi dizer.

Assisti àquele inesperado acontecimento da segura distância de sempre. Se tivesse uma perna, a estaria balançando impacientemente. A preocupação estava queimando em minhas entranhas. Mais do que o normal. Sei que tenho mania de controle, mas sou responsável por tanta coisa que não consigo simplesmente me desligar.
Então observei, morrendo de ansiedade. Cada segundo que passava eles se aproximavam mais, e eu me perguntando o que aconteceria. Querendo ser ela, querendo sentir o contato que estava prestes a acontecer.
Finalmente se encostaram, e se eu tivesse unhas as roeria.
A observava já há tanto tempo, conhecia todos os seus detalhes e agora outros a estavam explorando. Tendo o que nunca tive, o que nunca terei.
Eu também queria explorar e ser explorado. Entretanto, minha função era prover o essencial a distância. Concordei com essa tarefa e nunca poderei experimentar outras. O que faço ninguém mais sabe fazer, pelo menos não nessa região. Porém, quando aceitei, tive que abrir mão de quase tudo. 
Abri mão de quase tudo, sendo eu, agora, praticamente tudo!
Eu sou tudo, tendo nada.
Me contento há tanto tempo com minhas condições que não me atrevo mais a questionar. 
Mas saiba que, quando vocês me sentirem, estarei os observando com a ternura de alguém que ama mas entende que não pode ter o que quer para o bem de ambos.
A propósito, me chamo Sol.


Se você chegou até aqui, provavelmente leu meu conto. Gostei dele o suficiente para querer compartilhar com todos. Provavelmente postarei mais alguns, se estiver com vontade. Hehe.
Comentem o que acharam!

Esse conto faz parte do projeto Oficina de Bolso, volume Romance, escrito pela Andrea del Fuego.
Proposta número 6.

Até a próxima :)


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